PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO DE ÁREA DE ARMAZENAMENTO DE LÍQUIDOS INFLAMÁVEIS

PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIO DE ÁREA DE ARMAZENAMENTO DE LÍQUIDOS INFLAMÁVEIS

Quando pensamos em armazenamento de líquidos inflamáveis e combustíveis, logo nos vêm à mente os grandes tanques de armazenamento com milhões de litros de produtos, porém, há um número muito maior de depósitos em recipientes, tais como tambores, frascos e latas, bem como em IBCs e tanques portáteis, sendo esta uma situação muitas vezes negligenciada em inúmeros projetos e cuja peculiaridade exige um sistema de proteção diferenciado dos demais depósitos, o qual em grande parte dos casos implica na adoção de sistema de proteção por chuveiros automáticos (sprinklers).

Analisando todas as possíveis ocupações percebemos que os líquidos inflamáveis e combustíveis estão presentes em diversas situações e são mais comuns do que pensamos. Em um mercado, por exemplo, há frascos de produtos de limpeza, há produtos de beleza, bebidas, lubrificantes, entre outros produtos. Podemos, ainda, observar a presença de líquidos inflamáveis e combustíveis em lojas de cosméticos, casas de tintas, indústrias, comércios, laboratórios e até em hospitais. Algumas destas ocupações, devido ao volume de produto armazenado ou pelas características dos produtos, requerem proteções especiais.

Um incêndio em um armazém de líquidos inflamáveis ou combustíveis se diferencia dos demais depósitos pela facilidade de propagação da chama, a qual está intimamente ligada as propriedades químicas e físicas destes produtos. Como quaisquer líquidos estes produtos se espalham pela área onde são derramados e são deslocados pela declividade do piso. Eles emanam vapores inflamáveis que podem ser mais leves ou mais pesados que o ar, se acumulando e propiciando ambientes explosivos. Os líquidos inflamáveis podem possuir, ainda, características tóxicas ou asfixiantes quando respirados ou serem absorvidos quando em contato com a pele, dificultando o combate a um incêndio, podendo até mesmo serem incompatíveis com a água. Todas estas propriedades fazem com que os sistemas de proteção contra incêndio tenham de ser específicos para o caso.

Cientes dos riscos descritos acima o projetista deve buscar na legislação vigente as opções de proteção aceitas. No Brasil a maioria dos Estados adota a NBR 17505 como parâmetro de proteção para líquidos inflamáveis e combustíveis, porém há vários Corpo de Bombeiros Militares que possuem legislações próprias as quais seguem princípios semelhantes aos da NBR 17505. A legislação do Corpo de Bombeiros da Policia Militar do Estado de São Paulo é uma referência importante para os demais Estados que possuem legislação própria.

A existência de uma legislação nacional abrangente para armazenamento de líquidos inflamáveis fracionados é recente, datando de 2006, quando foi publicada a NBR 17505, parte 4. Antes desta norma havia apenas algumas menções do assunto pelos corpos de bombeiros estaduais, sendo que usualmente era adotada diretamente a NFPA 30. Com o advento da NBR 17505, parte 4, esta passou a tratar especificamente da proteção contra incêndio de áreas de armazenamento de líquidos inflamáveis fracionados no Brasil. Tal norma foi baseada na NFPA 30, logo, segue a tendência norte americana de proteção por chuveiros automáticos limitando bastante o volume de armazenamento das áreas sem proteção por tal sistema. Apenas como exemplo, volumes superiores a 5200 litros de líquidos inflamáveis classe IB podem exigir a proteção por sprinklers.

Para minimizar os riscos de um armazenamento de líquidos inflamáveis e combustíveis a NBR prevê parâmetros como os sistemas de contenção e drenagem, a proteção por extintores, ventilação, proteções estruturais, compartimentações e chuveiros automáticos. Todas estas proteções devem ser entendidas como um conjunto coeso e dependente uns dos outros, logo deve-se evitar o erro comum de mesclar legislações utilizando-se os parâmetros mais benéficos de cada uma para montar um projeto. Todos os sistemas possuem limitações de uso, ressaltando que no caso da NFPA 30 os critérios foram fruto de testes em escala, com extrapolações e interpolação dos dados obtidos que se não seguidos podem resultar em falha do conjunto.

Uma das principais medidas de proteção para líquidos inflamáveis é a contenção, a qual tem a finalidade de reduzir os impactos do incêndio em líquidos a medida que limita a área atingida pelo incêndio ou a contaminação no armazenamento. A NBR 17505 não limita as possibilidades para projeto desta medida de proteção, porém, o engenheiro deve ter em mente que o princípio básico é criar obstáculos físicos para que o líquido não se espalhe e provendo meios para drenagem deste da área interna para um local seguro na área externa. A drenagem deve ser dimensionada de modo que possa comportar a vazão do sistema de combate a incêndio operando e o vazamento da maior pilha ou prateleira. Adicionalmente, quando a edificação é protegida por sistema de chuveiros automáticos a contenção interna deve considerar a área de cálculo do sistema de chuveiros automáticos, evitando que um número de bicos de sprinkler maior do que o projeto seja acionado.

Outro fator relevante da proteção de líquidos inflamáveis é a escolha dos recipientes adequados para armazenamento. A NBR 17505 estabelece diversos parâmetros para os recipientes, definido os materiais construtivos, limitações volumétricas, válvulas de alivio de pressão, entre outros. A norma brasileira faz referência, também, a algumas normas emitidas por agências reguladoras que devem ser observadas, sendo que para alguns casos os recipientes devem ser certificados para a finalidade desejada. Quanto a este item cabe destacar mais uma vez que os parâmetros legais são um conjunto coeso devendo ser observados todos os parâmetros de proteção por chuveiros automáticos, até mesmo o tipo de recipiente, caso contrário, poderá ser comprometido todo o investimento desprendido para a proteção da edificação.

O arranjo pode ser somado ao conjunto dos parâmetros legais a serem observados na definição do sistema de proteção adequado para um armazenamento de líquidos combustíveis ou inflamáveis. Tanto a NBR 17505 como a sua norma mãe, a NFPA 30, estabelecem alguns leiautes permitidos de armazenamento dos líquidos, como as pilhas sólidas, armazenamento em paletes, em prateiras ou em estruturas porta paletes, chamadas em algumas normas de estruturas suportes. Para cada tipo de arranjo existem critérios específicos de dimensionamento do sistema de chuveiros automáticos.

O sistema de chuveiros automáticos é o que recebeu a maior atenção da norma brasileira. Contudo, para um entendimento perfeito do projeto e instalação desta medida de segurança temos que compreender que ela é uma aplicação específica do sistema convencional de chuveiros automáticos, portanto é regida pelas regras gerais de uso previstas na NBR 10897 e nas suas lacunas pela NFPA 13. Assim, a aplicação isolada da NBR 17505 para desenho de um projeto de chuveiros automáticos pode ser impossível. Tal norma não traz parâmetros de afastamentos máximos e mínimos entre bicos, tipos de tubulação, tipos de rede permitidas entre outros parâmetros gerais de uma rede de sprinklers. Estas informações devem ser encontradas nas normas gerais sobre o assunto.

Outrossim, utilizar as normas de aplicação geral, NBR 10897 ou NFPA 13, isoladamente para a proteção de um armazém de líquidos inflamáveis pode ser um grave erro, pois os parâmetros de proteção para este último caso podem ser muito mais restritivos que para os materiais sólidos em geral.

As principais diferenças entre os sistemas de chuveiros automáticos para área com materiais sólidos e para áreas com líquidos inflamáveis são:

  1. os limites de altura de armazenamento e altura máxima de telhado (pé direito) em geral são muito menores para as áreas de armazenamento de líquidos;
  2. a grande maioria dos casos de armazenamento de líquidos inflamáveis exige a adoção dos chamados chuveiros internos, que são aqueles instalados em alguns níveis das estruturas porta paletes;
  3. o tempo de operação dos sistemas também varia, podendo chegar a até 3 horas, consequentemente exigindo reservatórios bem maiores de água.

Portanto, a aplicação da norma adequada é essencial. Todavia, apesar da NBR 17505 ser um avanço em termos de norma nacional para proteção de armazenamento de líquidos inflamáveis, ela possui algumas falhas na adaptação do texto da NFPA 30 para a realidade brasileira. Tais falhas consistem em geral em divergências na tradução, erros gráficos nos desenhos de fluxogramas, erros em símbolos matemáticos em tabelas entre outros. Alguns destes problemas podem dificultar ainda mais a compreensão do texto que é muito complexo e que requer um nível avançado de conhecimento na área de segurança contra incêndio. Para contornar este problema a melhor maneira é sempre confirmar os parâmetros de cálculo na NFPA 30, de modo a não dimensionar um sistema muito além do necessário ou aquém do mínimo.

Apesar das diferenças de parâmetros entre o sistema de chuveiros automáticos para depósitos em geral os métodos de dimensionamento possíveis são os mesmos, bem como as configurações possíveis de rede. Logo, os softwares de dimensionamento usuais para cálculo de sprinkler podem ser utilizados para os cálculos das áreas de armazenamento de líquidos. A dificuldade está justamente em obter os parâmetros na NBR 17505. Os dados para dimensionamento do sistema de chuveiros automáticos estão espalhados na NBR 17505 em um conjunto de fluxogramas, tabelas, leiautes, esquemas, figuras e itens da norma, sendo que a norma possui diversas remições entre os itens, fazendo com que o leitor vá adiante e volte várias vezes no texto para obter todas as informações desejadas.

A utilização de espuma nos chuveiros automáticos é um outro diferencial da NBR 17505 para a NFPA 13, sendo permitida a proteção utilizando este produto. Contudo a norma brasileira não traz os parâmetros para tal dimensionamento, direcionando o projetista para a NFPA 16, a qual trata especificamente de padrões para chuveiros automáticos de espuma de baixa expansão. Na NFPA 16 você poderá encontrar os detalhes de instalação do sistema e de dimensionamentos, tais como o tipo de liquido gerador permitido, tipos de bicos de sprinkler, capacidade de reservatório e tipos de dosadores de LGE.

Para enfrentar todas estas dificuldades de coleta das informações impostas para um projeto de armazenamento de líquidos inflamáveis algumas iniciativas vem surgindo que tem por objetivo corrigir falhas e difundir informações. Uma destas iniciativas será a publicação em agosto deste ano do trabalho vencedor da 5º premido Instituto Sprinkler Brasil o qual trará o tema: “Uso de chuveiros automáticos para proteção de líquidos inflamáveis e combustíveis”. Outro passo importante foi dado pelo Corpo de Bombeiros da Policia Militar do Estado de São Paulo, que publicou em março de 2018 a nova edição da IT 25, a qual trata de armazenamentos de líquidos inflamáveis e passou a adotar os mesmos parâmetros da NBR 17505 com algumas adaptações.

Em entrevista com o Capitão do Corpo de Bombeiros de São Paulo, Alexandre Riquena Costa, Presidente da Comissão de Estudo da Instrução Técnica 25, este esclareceu que: “Ao meu ver, a publicação da nova versão da Instrução Técnica n° 25 (IT-25), representa um grande avanço técnico no que se refere à legislação de segurança contra incêndio para proteção de líquidos combustíveis e inflamáveis. A nova versão da IT-25 de 2018, por decisão do Comandante do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, incorporou os conceitos da NBR 17.505 e normas correlatas da ABNT, sendo incluídos os parâmetros da versão anterior da IT 25 apenas nos casos em que a NBR era omissa e remetia o projetista a consultar o Corpo de Bombeiros local, bem como os pontos em que a NBR, baseada na norma americana, divergia no tocante a tradução do original. Foram também incluídos os parâmetros para o dimensionamento do sistema de chuveiros automáticos para depósitos de líquidos combustíveis e inflamáveis, o que irá permitir aos profissionais de engenharia dimensionar os sistemas de proteção apenas consultando a norma do Corpo de Bombeiros, e que está acessível gratuitamente na página daquele órgão”

Outra boa noticia é que a NBR 17505 está em revisão. Segundo Mauricio Prado Alves, relator da comissão de estudo desta norma brasileira, atualmente a comissão tem revisado a parte 2 da NBR, mas após tal correção deve ser agendada data para inicio do trabalho de revisão da parte 4 descrita neste artigo.

Em suma, percebemos que há uma tendência de evolução normativa e dos materiais disponíveis para consulta a qual representa um ganho constante para a segurança contra incêndio no Brasil, sendo que tal avanço se materializa na maior qualidade dos projetos e das instalações, reduzindo os danos a vidas, ao meio ambiente e ao patrimônio.

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